terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Sábado 31 de Janeiro | Círculo de Leituras Anárquicas: “O princípio do Estado” de Mikhail Bakunine


18h - Círculo de Leituras Anárquicas: “O princípio do Estado” de Mikhail Bakunine

20h - Jantar vegetariano


Uma vez por mês, juntamo-nos em torno de textos que nos despertaram o interesse, partilhamos leituras e debatemos ideias. Os círculos de leituras anárquicas não são apresentações de livros, são um espaço de partilha e debate em que todos podem participar, mesmo que ainda não tenham lido o texto.

Texto disponível aqui: http://document.li/sTr0

«No fundo, a conquista não é só origem – é também o fim supremo de todos os Estados: grandes ou pequenos, poderosos ou débeis, déspotas ou liberais, monárquicos ou aristocráticos, democráticos – e até socialistas (supondo-se que o ideal dos socialistas alemães, o ideal de um grande Estado comunista, alguma vez se realize). Que a conquista foi um ponto de partida de todos os Estados, antigos ou modernos, não poderá ser posto em dúvida por ninguém, visto cada página da história universal o provar suficientemente. Ninguém negará tão-pouco que os grandes Estados actuais têm por objecto, mais ou menos confessado, a conquista. Mas - dir-se-á – os Estados médios e, sobretudo, os pequenos só pensam em defender-se; seria mesmo ridículo que sonhassem com conquistas.
«Por mais ridículo que pareça, é esse, todavia, o seu sonho – tal como o sonho do mais pequeno camponês proprietário reside em aumentar as suas terras em prejuízo do vizinho. Aumentar, crescer, conquistar – a todo o preço de sempre – é uma tendência fatalmente inerente a todo e qualquer Estado, qualquer que seja a sua extensão, a sua fraqueza ou a sua força: porque é uma necessidade da sua natureza. Pois que é o Estado senão a organização do Poder? Na Natureza de todo o poder está a impossibilidade de suportar um superior ou um igual, pois o Poder não tem outro objecto que não seja a dominação – e a dominação só é real quando se lhe encontra submetido tudo quanto é obstáculo. Nenhum poder tolera outro: só o faz quando a isso é obrigado, isto é, quando se sente impotente para o destruir ou derrubar. A própria noção de um poder é igual a uma negação do seu princípio e uma perpétua ameaça contra a sua existência: porque é uma manifestação e uma prova da sua impotência. Por consequência, entre todos os Estados que existem uns junto aos outros a guerra é permanente – e a sua paz não é mais do que uma trégua.
«Está na natureza do Estado apresentar-se, tanto em relação a si mesmo como perante os seus súbditos, como o objecto absoluto. Servir a prosperidade do Estado, a sua grandeza, o seu poder – eis a virtude suprema do patriotismo. O Estado não reconhece outra; tudo o que o sirva é bom, tudo o que seja contrário aos seus interesses é declarado criminoso. Tal é a moral dos Estados.
É por isso que a moral política foi sempre não só estranha como absolutamente contrária à moral humana. Essa contradição é uma consequência inevitável do seu princípio: não sendo o Estado mais do que uma parte, apresenta-se, porém, e impõe-se como o todo. Ignora o direito de tudo aquilo que, não sendo ele próprio, se encontra fora de si mesmo – e, quando pode, sem perigo, viola tal direito. O Estado é a negação da humanidade.»
(…)
«Deus, o nada-absoluto, foi proclamado o único ser vivo, poderoso e real, e o mundo vivente e, por consequência necessária, a Natureza, todas as coisas efectivamente reais e viventes, ao serem comparadas com esse deus, foram declaradas nulas. É próprio da teologia fazer do nada o real e do real o nada.
«Procedendo sempre com a mesma ingenuidade e sem ter a menor consciência do que fazia, o homem utilizou um meio simultaneamente muito engenhoso e muito natural para preencher o vazio espantoso da sua divindade: atribuiu-lhe simplesmente, exagerando-as sempre até proporções monstruosas, todas as acções, todas as forças, todas as qualidades e propriedades, boas ou más, benéficas ou maléficas, que encontrou, tanto na Natureza como na sociedade. Foi assim que a Terra, entregue ao saque, se empobreceu em proveito do Céu, que se enriqueceu com os seus despojos. Resultou disto que quanto mais se enriqueceu o Céu – a habitação da divindade – mais miserável se tornou a Terra; e bastava que uma coisa fosse adorada no Céu para que precisamente o contrário de essa coisa se encontrasse realizada neste baixo mundo. É aquilo a que se chama as ficções religiosas; a cada uma dessas ficções corresponde, como se sabe perfeitamente, alguma monstruosa realidade. Assim, o amor celeste nunca teve outro efeito senão o ódio terrestre, a bondade divina não produziu senão o mal, e a liberdade de Deus significa a escravidão sobre a terra. Logo veremos que o mesmo acontece com todas as ficções políticas e jurídicas, pois umas e outras são, além do mais, consequências ou transformações da ficção religiosa.»

Mikhail Bakunine, «O princípio do Estado»