quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O CCL não é nem o anarquismo actual será o baldio da esquerda política: recordando José Correia Pires


A atitude intervencionista do anarquista José Correia Pires, nascido a 17 de Abril de 1907, em S. Bartolomeu de Messines, foi indelevelmente marcada pela força de uma existência social de onde sobressai a capacidade de resistência à Ditadura portuguesa e a vontade de lutar pela extinção do Estado e contra a propriedade.
Depois do 25 de Abril de 1974, no almoço de confraternização libertária do 1º de Maio, demonstrando a  possível continuidade geracional, estivemos lado a lado na primeira manifestação pública do anarquismo realizada em Cacilhas, na cervejaria Canecão.
Já depois desse encontro estivemos lado a lado e envoltos com os anarquistas almadenses no convívio diário que levaria à constituição formal do Centro de Cultura Libertária a 13 de Maio de 1974, cuja sede funcionaria inicialmente em instalações provisórias na Rua Fernão Lopes, nº 12, r/c, em Almada.
Em conformidade com o ideal anarquista estivemos lado a lado na realização do comício anarquista em Junho de 1974 no Salão de Festas da Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, associação de que foi seu presidente em 1955-56 e, nessa ocasião como em tantas outras, partilhamos a vivência com os seus amigos tais como Henrique Barbeitos, médico director do Hospital da Misericórdia de Almada, Herculano Pires, advogado e deputado constituinte e Eurico da Fonseca, investigador membro da Junta de Energia Nuclear.
No maior dos eventos que o anarquismo português realizou -  o comício na Voz do Operário, em Julho de 1974, evocativo da Revolução Social de 1936-39, em Espanha - estivemos lado a lado na presença dos companheiros da CNT - Confederación National del Trabajo. Queremos aqui lembrar a recepção aos militantes da CNT organizada em Coina pelos anarquistas almadenses e animada pelo companheiro José Correia Pires.
Como se vê, o nosso velho companheiro revelou no último período da sua vida que encarava a hipótese anarquista enquanto actividade revolucionária contra a opressão e a miséria material, por isso estivemos lado a lado na primeira assembleia realizada na Rua Angelina Vidal, 17, 2º andar, em Lisboa, tendo em vista constituir a cooperativa editora do jornal A Batalha, antigo porta-voz da CGT - Confederação Geral do Trabalho.
E numa altura em que a táctica alarve da ditadura pseudo-proletarizada se enraizava e se prontificava para disparar, estivemos lado a lado no comício realizado pelo movimento libertário no Liceu de Beja.
Quanto à solidariedade anarquista estivemos lado a lado quando, no ano de 1974, acomodamos numa casa localizada na Praceta Jornal de Almada, nº4, 4º andar, em Almada, os companheiros espanhóis Rafael, Jaime, Paloma e Paco perseguidos pela máquina repressora da ditadura franquista.
Mas o grupo de Almada constituído pela velha guarda anarquista, apesar da nossa inquieta juventude,  não censurou nem nunca nos estigmatizou e com ele aprendemos o anarquismo da revolta e da compaixão, essa é a razão porque estivemos lado a lado no momento do último adeus ao companheiro Jaime Rebelo, em Setúbal, assim como, nos trabalhos preparatórios para a edição do jornal Voz Anarquista, do qual José Correia Pires foi o mentor e assíduo colaborador.
Homem generoso, carpinteiro de profissão, anarquista, autor dos livros «Memórias de Um Prisioneiro do Tarrafal» e «A Revolução Social e a Sua Interpretação Anarquista». Profeta de uma liberdade que, todavia, humanamente não conhecemos, foi sobre os nossos ombros levado à cova no terreiro do cemitério do campo de S. Paulo, em Almada, no dia 29 de Outubro de 1976.
Damos nota nesta efeméride ao artigo publicado no jornal Voz Anarquista nº 18, de Novembro de 1976, com direcção de Francisco Quintal:
Conhecemos Correia Pires, pela primeira vez, nessa bafienta, húmida, sombria e secular cadeia do Aljube, aí por 1932, ano de uma das piores épocas da Ditadura, mas também anos de luta, em que o nosso povo, odiando o tirano, comungava nas praças com todo o seu entusiasmo e, não esquecendo as lutas de Fevereiro de 1927, se revoltasse nas Ilhas, para pouco depois nos dar a acção dignificante de 18 de Janeiro de 34. Eram nossos companheiros abalizados militantes, como Manuel Joaquim de Sousa, Correia de Sousa, Laranjeira, José de Castro, Pimentel, Raul Adão, Machado, e muitos outros. Correia Pires, ali enclausurado como nós, manifestava, ainda jovem, um entusiasmo contagiante e foi esta característica que o marcou pela vida fora.
Após longos anos de Tarrafal, fixou-se em Almada e desta excelente terra nunca mais saiu.
Dotado de espírito polémico mas tolerante, Correia Pires, em todas as camadas da sociedade, até mesmo entre os contrários politicamente, soube criar amigos. Dotado de facilidade de palavra, nunca se escusava a falar em público. Estava sempre pronto a uma gesta pela liberdade ou por um acto de justiça.
A nossa amizade, contraída na prisão, continuou pela vida fora. Se alguma justificação se pode reconhecer nas acções odiosas do Poder, é, e somente, a de apertar laços de amizade e de continuação na luta, a pontos de se poder afirmar, como no caso do nosso dilecto camarada, que os regimens autoritários passam mas a luta, a grande luta pela Liberdade continua sempre. Esta é a lição que Correia Pires transmite!