domingo, 23 de abril de 2017

Senhores propagandistas da banha de cobra...

Texto de um sócio do CCL sobre a recente homenagem a João Freire feita no Portal Anarquista, recebido com pedido de divulgação:


SENHORES PROPAGANDISTAS DA BANHA DE COBRA...
ATENÇÃO! OS INTERESSES DO CENTRO DE CULTURA LIBERTÁRIA FORAM LESADOS.


Estimado Companheiro,
Carlos Júlio.

Publicou o Portal Anarquista há bem poucos dias no Facebook uma peculiar nota de reconhecimento tilintante rasgando elogios ao senhor João Freire, dando conta do porte de grande anarquista que em todo o caso, tal senhor nunca foi merecedor em nenhum momento.
Primeiro, vamos directamente ao assunto que hoje nos interessa: o Centro de Cultura Libertária, doravante CCL, foi no processo de constituição do Arquivo Histórico-Social muito prejudicado. É afirmado pelo próprio João Freire nas suas memórias «Pessoa comum no seu tempo», p. 471, que o Centro de Estudos Libertários acolheu a «doação de espólios documentais por parte de antigos militantes libertários ou seus descendentes». Daí nunca referir claramente nem sequer de modo discreto a sua iniciativa para obter os documentos existentes no fundo documental do CCL. Ora, quanto a este assunto reina o silêncio absoluto,  mais parece ter o homem recalcado a tendência do seu comportamento para vasculhar arquivos.
Os fundamentos da minha denúncia prendem-se com os actos delituosos praticados por João Freire. Sublinhe-se que na altura os mentores do Centro de Estudos Libertários chegaram a elaborar no CCL um rastreio onde constavam 270 obras literárias, presume-se em conluio com os técnicos do designado Arquivo Histórico-Social e/ou a mando deste famoso académico «anarquista».
Na verdade, foi na Assembleia Geral de sócios do CCL, realizada a cinco de Janeiro de 1985, consultar a Acta número 9, folhas 29/30, que a questão do Arquivo Histórico-Social foi introduzida ad hoc na ordem de trabalhos desta reunião e, pela primeira vez, levantada através do senhor Carlos Reis, «devido ao facto do companheiro João Freire, mais dentro do assunto, ainda não ter chegado.» Finalmente, para se perceber hoje a habilidade implicada nos procedimentos do académico «anarquista» João Freire, mandante do senhor Carlos Reis, passo a transcrever parte da Acta número 9: «Finalmente no ponto seis, não tendo comparecido o companheiro João Freire, prestou-se o companheiro Carlos Reis a informar a assembleia da situação do Arquivo Histórico-Social e de uma proposta para cedência mútua de (ob) digo, exemplares de livros e periódicos constantes das duas bibliotecas, proposta que foi aceite unanimemente.»
O senhor João Freire, alegando o seu interesse ao estudo, na altura apoderou-se de documentos pertencentes ao espólio histórico do CCL, Associação Libertária com sede em Almada. De facto, em nenhuma circunstância conforme é possível analisar nos papeis oficiais do CCL, se perspectivou ou foi deliberado doar os referidos livros e outros documentos quer ao senhor João Freire quer a alguma outra entidade com carácter público ou privado.
Segundo, é com o propósito de contribuir para o cabal esclarecimento desta situação ocorrida no CCL, Associação que então se viu delapidada de alguma parte do seu património histórico (contextualizando o 3º ponto da Ordem de Trabalhos: Situação perante o Arquivo Histórico Social, posição definitiva do Centro), que aqui transcrevo parte do conteúdo da acta número 13 da Assembleia Geral Extraordinária, a folhas 39/42, da ordem sequencial do Livro de Actas, datada aos nove dias de Novembro de mil novecentos e oitenta e seis: «Através do João Freire foi-nos pedido um certo número de títulos da nossa biblioteca, para seguirem para a Biblioteca Nacional através do Centro de Estudos Libertários. Nessa altura acedi a tal transacção dos livros porque não vi grandes inconvenientes e porque confiava na pessoa de João Feire. Hoje a minha opinião é diferente. Se esses livros fazem parte do património do Centro e podendo a sua biblioteca ser dinamizada, entendo que é neste Centro que os livros devem permanecer. Se temos perspectivas de remodelar este Centro, não nos podemos permitir o luxo de o empobrecer. Somos talvez hoje o núcleo anarquista que mais publicações periódicas e não periódicas recebe, aumentando, assim, gradualmente o nosso espólio e podendo fazer deste Centro um Centro de Documentação e Arquivo, sem tutela do Estado, como acontece na Biblioteca Nacional. Não temos em nosso poder nenhum termo de responsabilidade passado pela Biblioteca Nacional em como, a qualquer momento, poderemos recuperar os livros. A palavra de João Freire não me chega, hoje. Pelo seu comportamento em relação à coordenadora libertária, por se ter demitido deste Centro sem qualquer explicação, pela sua falta de frontalidade (utilizando lateralmente influências, à boa maneira da cunha e coscuvilhice portuguesas, em lugar de se dirigir directamente ao Centro), João Freire não me merece a mínima consideração nem confiança, tanto como anarquista, como também como pessoa.»
No essencial, julgo não proceder como se nada na recente história do anarquismo em português se tivesse passado. Realmente, no CCL facilitámos em demasia as vivências dos acontecimentos, por isso, parece que somos considerados ingénuos politicamente. Mas não declinámos perante os objectivos programáticos da Associação e, porventura, isso leva-me também hoje a interrogar se não será justo reivindicar a devolução dos referidos documentos históricos subtraídos à biblioteca e ao fundo documental da Associação. Não quero deixar de realçar uma breve referência a Carlos Reis expressa na Acta número 14, com a data de vinte e quatro de Janeiro de mil novecentos e oitenta e sete, a folha 42, reportando que o único voto a favor da transferência dos livros deste Centro para a Biblioteca Nacional, foi o dele.


Finalmente, é certo que confirmada a natureza dos factos acima aludidos estes configurarão um abuso de confiança bem como de apropriação indevida de bens, e também uma total quebra de lealdade por parte deste antigo sócio do CCL, que actuou em circunstâncias e contornos muito pouco esclarecedores face ao funcionamento desta Associação.
Quanto ao amadurecimento do anarquismo em português, foi com este tipo de colaborações que o «nosso» académico pretendeu com o seu projecto pseudo libertário atingir o compromisso reformista iniciado em torno da publicação A Ideia a partir de 1974.
Em sequência, exulto na qualidade de associado e membro dos órgãos sociais do CCL, prometendo respeitar todas as decisões da Assembleia Geral que será convocada para o efeito, com a minha exclusiva responsabilidade neste processo de reparação moral, procurando determinar e envolver todos os associados que queiram de agrado contribuir, dignamente, para o devido esclarecimento do processo, tendo em vista a reposição dos livros e outros documentos no arquivo que, antes demais, pertencem a esta Associação Libertária.

Com as saudações libertárias,

Carlos Gordilho
Quinta da Alegria, Almada, 2017